quinta-feira, 10 de junho de 2010

E a roda gira para a frente.

Um dos mantras que são emitidos no meio da aprendizagem em organizações é a idéia de que, para aprender algo muitas vezes é necessário “desaprender” outro tanto.

Isto ecoa o conceito de aprendizagem de circuito duplo, já comentado em "Saúde e estética: como no indivíduo, entre a sustentabilidade e a imagem ". Na medida em que o aprendizado de circuito duplo parte de uma mudança nos valores e pressupostos básicos, tal implica deixar de praticar o que se entendia como certo (desaprender) e incorporar outros entendimentos. Como dizia a propaganda da Fiat, está na hora de rever conceitos (abaixo um exemplo, para lembrar, e um mais voltado ao lado corporativo).







Várias outras referências do estudo das organizações manifestaram este posicionamento de várias maneiras diferentes. Uma destas referências foi Kurt Lewin (ver abaixo figura dele e do modelo), ao dizer que a mudança parte da seqüência descongelamento (velhas idéias em prática são desfeitas, abandonadas e desaprendidas)-mudança (novas idéias e prática são experimentadas, exercitadas e aprendidas)-descongelamento (as novas idéias em prática são incorporadas definitivamente ao comportamento).

Outra referência importante e muito usada mais especificamente no estudo da inovação, e mesmo da mudança como um todo, é a de Joseph Alois Schumpeter, economista austríaco (wikpedia) depois radicado, como também o alemão Lewin, nos Estados Unidos, dentro do contexto que gerou a segunda guerra mundial. A ele é costumeira e genericamente associado o conceito de “destruição criativa”(SCHUMPETER, 1961:1942, p.106): "o processo de mutação ... que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos", algo "básico para se entender o capitalismo".

Penso que a raiz disto tudo reside na idéia, no conceito, de renascimento. Para renascer, algo tem que que morrer. Para aprender, algo tem que ser desaprendido.

Jung já dizia, como pode ser consultado em "Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo", que o conceito de renascimento não unívoco, podendo conter diversos significados, desde a metempsicose (transmigração da alma), a reencarnação, que contém o conceito de continuidade pessoal, a ressureição, o renascimento sem modificação do ser e o renascimento pelo processo de transformação externa, como numa graça ou benção concedida em um ritual.


A idéia do renascimento está presente também classicamente no mito da Fênix, um pássaro da mitologia grega que, “quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas”.




Ou ainda na presença de um dos deuses da trindade hindu, Shiva, que personificava a destruição criativa de que Schumpeter adotaria, pois era o destruidor, que destrói para construir algo novo, motivo pelo qual muitos o chamam de "renovador" ou "transformador”.







O budismo, com a liberação dos apegos, ou, porque não, o que se aprendeu como verdade.


Isto sem contar com uma representação magna do cristianismo, a ressureição ou o trecho de João 10: 17 e 18: “É por isso que o Pai me ama: porque dou a minha vida. E assim, eu a recebo de novo. Ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho poder de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo. Tal é o encargo que recebi do meu Pai”


Talvez a dicotomia entre aprender-desaprender seja equivocada. Desta forma aprender não é um processo de acúmulo, mas de substituição, ou de preenchimento. É algo como a gravação de um arquivo no computador, em que novas informações, advindas da experiência, promovem a atualização constante do arquivo original.

Aprender é "lavoisieriano", pois é um processo sobretudo de transformação, onde nada se perde, ou nada se cria: só a superficialidade é temporária e efêmera, o que está na essência permanece e se transubstancia. Na organização, ou na vida, cuidar de um ambiente de aprendizado, portanto, é cuidar para que a transformação seja um imperativo fundamental nos processos vitais, de modo que verdades inquestionáveis, apegos, e até sucessos, não venham jamais, como "armadilhas da competência" que são (ver post Metamorfose ambulante: o destino da aprendizagem? ), a se sobrepor à reflexão da experiência e a transcendência da sua própria verdade.


Assim a roda gira, e se desloca a partir de contínuos fechamentos de ciclos. Como as pessoas, as organizações evoluem por meio da transformação implícita em seus próprios ciclos de processos e realizações.




Américo Ramos
DSc em Administração, vinte anos de experiência profissional e acadêmica.
Visite o blog Aprendizagem e Organização”

Nenhum comentário:

Postar um comentário