Há alguns dias li esta notícia:
Cachorro curioso fica entalado em muro na Califórnia
Um curioso cachorro pastor alemão ficou misteriosamente entalado em um muro nesta semana, quando foi encontrado pelas autoridades com a cabeça presa na altura do pescoço em uma construção a leste de Los Angeles. Mais
Algo muito curioso, em vários sentidos. Será que foi a curiosidade que fez o pobre cão se meter “neste buraco”? Parece aquelas piadas da “carteira com cordinha na rua”, ou ainda a representação do ditado popular “a curiosidade matou o gato”, que também podia ser usada para o cachorro, depois desta notícia, embora não com a mesma gravidade, é claro.
Em quantos “buracos” as pessoas entram também por conta da curiosidade!
No mundo corporativo, é normal valorizar a curiosidade, no sentido de inovação, desejo de aprender coisas novas, questionar o pré-estabelecido, desde que aumente o lucro, bem entendido. Mas, será que não haveria um outro termo que representasse melhor a idéia, sem que se incorresse nos seus sintomas colaterais de “se meter onde não é chamado”?
Então lembro-me do “Doctor Angelicus”, São Tomás de Aquino. O notável filósofo, entre os diversos temas sobre os quais discorreu, trata da diferença entre a curiosidade e o que ele chama de estudiosidade, a Studiositas.
A estudiosidade é uma virtude que caracteriza-se pelo empenho pela busca e aquisição do conhecimento. Como um de seus inspiradores, Aristóteles, o Aquinate ressalta também o caminho do meio (também defendido por Buda, Confúcio, entre outros, como já notara Lou Marinoff). Assim, se a estudiosidade se degenera, foge da moderação e o conhecimento passa a ser procurado para satisfazer vícios como o orgulho ou soberba ou a interesses menos úteis para sua missão. Vira curiositas, a curiosidade, o conhecer pelo conhecer motivado pelo desejo exacerbado. A estudiosidade também se alia à fortaleza pois sua prática é desgastante e facilmente corruptora da constância de propósitos (com licença do Deming ...), portanto há de se seguir o caminho, mas também com algumas recreações, desde que saudáveis e não grosseiras ou constrangedoras ao próximo, conforme o caminho do meio.
Sem entrar em um buraco, digo lugar comum, mas já entrando, vivemos hoje em uma sociedade globalizada, em que a igualitarismo dos meios contrapõe-se à má distribuição da oferta, em vários níveis, desde a própria comida (obesidade nos Estados Unidos e até por aqui cada vez mais e desnutrição em países como os da África subsaariana e ainda por aqui, creio que cada vez menos) à informação. Estamos obesos de informação, a oferta é variada, intensa, aceleradíssima com a internet e googles afora (uma “googledice” sem tamanho, rs rs.). Mas se os obesos de comida o são muitas vezes movidos por gorduras, fast-food e coisas do gênero, os obesos informacionais também o são pela informação de baixo significado, ou manipulada, ou mesmo falseada, o fast-food da curiosidade. BBB 11 vem aí! Celebridades, “cultura inútil” (termo muito associado à antiga Rádio Relógio, para os mais novos ver aqui), sensacionalismo de ocasião de jornais populares e redes de rádio e televisão (se fizerem uma pesquisa sobre as falas de entrada do Renato Machado no Bom Dia Brasil da Rede Globo, há um padrão bem observável), “manchetes apelativas” dos jornais, enfim, muito de supérfluo. Pode-se não saber em que país fala-se Holandês; mas ai de quem não souber que Totó morreu ou que Totó está vivo, será definitivamente um alienado! A quantidade de informação de qualidade é muito mal distriburrida (com trocadilho, por favor, como diria o Agamenon, e com licença do Drummond, pela sua poesia).
Assim, as pessoas, entre as quais me incluo, obviamente, cedem aos apelos fáceis da oferta quantitativa de informação, se é que pode ser chamada por este nome, e gera um novo “Ser”, o Obesus Curiosus. Busca a informação por buscar, movido pela curiosidade, desde em saber o que fez fulano ou beltrano, até a busca de informações apenas para ostentar uma falsa erudição, como já dizia Nietzche no século XIX, referindo-se aos filisteus da cultura: ver texto do Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCPR, Antonio Edmilson Paschoal (ou seja, questão antiga, mais antiga do que esta época, inclusive).
Buscar intensa e permanentemente o conhecimento, a estudiosidade, nada contra. Nada contra a internet, muito pelo contrário, sem ela não estaria escrevendo desta forma. A questão é, e vale para as organizações também, em especial quando não sabem que limites adotar quanto à interação internet e empresas no cotidiano: como buscar, aprender e infundir conhecimento, tendo em vista o seu aperfeiçoamento e caminho (seja ele qual e sob que princípios for), as pessoas que o cercam e as organizações com as quais interage, sem degenerar em massificações, nulidades, perversões (pedofilia, por exemplo) e alienações diversas. A informação não é conhecimento, este se transforma se houver outros atributos na pessoa humana, o que por sinal não vem sendo desenvolvida de muito tempo, ou pelo menos, elitizada. Assim ficamos obesos, mas não nutridos. Obesos de informação ou, pior, de dados de má qualidade, e desnutridos de conhecimento e sabedoria. Inchados de curiosidade e carentes de estudiosidade (e na mudança, a síndrome de abstinência é severa, imagine um BBBmaníaco sem assistir a versão deste ano!). E se assim ficarmos, teremos organizações capazes de assombros em tecnologia, economia e marketing, mas carentes de um alinhamento com uma sociedade mais justa, ética e comprometida com um futuro da humanidade em outro nível de aprendizagem, evolução e convivência.
O conhecimento é um chamado, e a estudiosidade leva o Ser até lá. Mas quando se vai onde não é chamado, tentado pelo canto da sereia da curiosidade, corre-se o risco de se ficar atolado em um buraco e, assim, flagrado (e na maior parte das vezes envergonhado) pelas escolhas que foram feitas.
Américo Ramos , DSc em Administração,
E-mail: americodacostaramos@gmail.com.
Visite o blog Aprendizagem e Organização”