quarta-feira, 19 de maio de 2010

Metamorfose ambulante: o destino da aprendizagem?



Gosto do Raul Seixas, algumas músicas que ele compôs, ou interpretou, ou ambos, saíam daquela mesmice que tanto infestam as músicas comerciais de hoje em dia. No último final de semana, numa conversa em família, quando um reclamava que outro mudava muito de opinião, lembrei-me da “metamorfose ambulante” (ouça e veja aqui), composta lá pelos idos dos anos setenta.

A primeira estrofe dizia o seguinte:

Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião

Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo


Logo em seguida lembrei-me da aprendizagem. Se aprender incorre em mudança de comportamento, implica também flexibilidade. Ter velhas opiniões leva a rejeitar a possibilidade de se abrir a novas percepções, portanto, aprender algo novo, ou mesmo ainda, assumir uma atitude de aprendizagem contínua.

Nas organizações, esta atitude está associada a várias exortações, do tipo: “superar desafios”, “pensar fora da caixa”, entre outras. O problema é que, muitas vezes, as exortações puxam uma mensagem e as práticas diárias puxam uma contra-mensagem, ao valorizar excessivamente as padronizações, a isolar questionadores, ou mesmo considerar aqueles que se questionam constantemente como vacilantes. Assim, não se trata apenas de exortar, mas de incorporar a atitude nas práticas organizacionais, inclusive nas relacionadas a reconhecimento.

Outra estrofe, mais adiante, assim narrava:

É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante

Aqui mexe-se em um dogma corporativo: trabalhar por metas, viver pelas metas, atingir o resultado o mais rapidamente possível, quase sempre em detrimento do processo. As organizações, obviamente, vivem de resultado, mas a ênfase excessiva neste alcance não limitaria a criatividade e a aprendizagem? Não reforçaria o que Levitt e March, dois importantes estudiosos da área de aprendizagem e organização, indicam como armadilha da competência (competence trap), fazer do mesmo jeito ignorando possibilidades mais arriscadas, porque sempre deu certo daquela maneira?

As organizações, mesmo as inovadoras, precisam de constância de propósitos para seguir em frente, já dizia o velho Deming, o primeiro de seus quatorze princípios para a Gestão. Entretanto, ele mesmo já abria em outros princípios a necessidade de quebrar barreiras, enfrentar receios, promover melhoria contínua: isto não se faz se o questionamento não for permanente. Ainda que não venhamos a ser metamorfoses ambulantes na concepção, nada “definitiva , por definição”, “seixiana”, não podemos ser também “seixos”, ou seja, pequenos pedregulhos em uma organização “firme como uma rocha” em seus valores, estratégias, metas, processos etc., onde a mudança, neste caso, indicaria fraqueza, falta de rumo, e inconstância.

Aprender implica em metamorfose, porque indivíduos e organizações precisam mudar de forma externa para evoluir e alcançar perenidade, e isto se faz repercutindo a experiência e o conhecimento em seus valores, práticas e rumos.



Américo Ramos é Doutor em Administração, com vinte anos de experiência profissional e acadêmica .E-mail: americodacostaramos@gmail.com. Visite o blog “Aprendizagem e Organização” (http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

Nenhum comentário:

Postar um comentário