quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Virtudes Cardinais na Gestão Organizacional

Américo Ramos





As Quatro Virtudes Cardinais: Temperança, Prudência, Fortaleza e Justiça

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Dentro dos estudos filosóficos, teológicos, ou em última instância, humanistas, há muito tempo se faz menção a vícios e virtudes. Vou aqui enfatizar as virtudes, mais especificamente as chamadas “quatro virtudes cardinais”, polarizadoras das demais virtudes, já citadas por inúmeros pensadores, como Platão, Aristóteles e alguns doutos do cristianismo como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino. Tomarei um pouco mais como base a referência platônica, conforme sua obra “A República”. Pode ser feita ampla pesquisa sobre o assunto, a seguir deixo três páginas a respeito, as duas primeiras do professor português de Direito Paulo Ferreira da Cunha (aqui e aqui) e a outra, o sítio "Argonautas".

Começo com a Phronesis, palavra grega que tem sido traduzida como prudência (phroneo=compreender), mas pode ser mais bem traduzida como sabedoria prática e ainda vinculada aos conceitos de ponderação, sagacidade (capacidade de compreender por indícios, astúcia) e prática social. Não represente uma sabedoria conceitual ou teórica, senão a denominação seria Sofia: seu foco é nas atividades humanas. Podemos associar também a Phronesis (veja http://www.fronesis.org/) à capacidade "para identificar, definir e resolver problemas, compreender e interpretar a informação e cada situação de maneira holística, e tomas decisões visualizando a multicausalidade dos fenômenos, assim como as opções e as conseqüências de tais decisões". É saber bem escolher e deliberar. Associa-se ainda a compreensão, para si e para o próximo, do que é o bem em relação ao mal, algo na linha do mito de Adão e Eva quando caem no pecado original (em Genesis 3.1, a serpente astuta em grego era denominada como phronimos, forma adjetiva de phronesis).

A Coragem (Andreia no grego), depois referida como Fortaleza, refere-se a ser firme nas dificuldades, na constância de propósitos em busca do bem, e, como em Republica, conservar-se neles “no meio dos desgostos, dos prazeres, dos desejos e dos temores” que pode oferecer o futuro.

A Temperança (Sophrosyne), a “sensatez que ordena”, que faz prevalecer a vontade e o bom senso sobre as tentações dos prazeres e desejos, equilibrando e harmonizando o seu usufruto.

Por fim, a Justiça (Dikaiosyne), constituída pela posse do que pertence a cada um e a execução do que lhe compete, com em “A República”, dando-se o que é devido, voltada, portanto, à equidade, ao respeito pelas competências e direitos.

Em A República, Sócrates usa da analogia entre os indivíduos e as cidades para provar a existência de tais virtudes cardeais nestas, a partir do reconhecimento naqueles. Então me veio a idéia de fazer esta analogia, mas com as organizações. Como seriam as virtudes cardeais na gestão das organizações?

Não se trata de um campo incultivado, uma pesquisa ligeira já identificaria livros e outros trabalhos. Farei esta analogia sem a preocupação de um desenvolvimento mais aprofundado, e sim como um exercício, até porque não pretendo fazer comparações com estes pensadores, nem tem como. Assim,

Fronesis (prefiro usar este aportuguesamento): Está relacionada à capacidade de decisão e deliberação, resolução de problemas e também de previsão, sabendo ponderar dentre diversas alternativas e suas possíveis conseqüências e escolher a mais adequada tendo em vista o bem da organização, o que vai ser positivo à mesma. Está ligada também às organizações de aprendizagem, visto que aqui, mais ainda, cabe a aprendizagem como prática, e prática social. Cabe também a visão sistêmica, a compreensão do todo e a consciência de suas competências essenciais, capacitações dinâmicas e conhecimento de organizações ou instituições que sejam seus públicos de interesse (stakeholders).

Fortaleza: Está relacionada à constância de propósitos, tal como já dissera um dos chamados “Gurus da Qualidade”, William Deming. A constância de propósitos leva à firmeza da organização frente aos seus objetivos, a longo prazo, melhorando continuamente seus processos, não esmorecendo frente aos fracassos, mas aprendendo com eles. Também pode ser associada à Resiliência, já abordada em outro post.

Temperança: Fazer prevalecer o equilíbrio entre a razão de ser da empresa e as tentações da obtenção de lucros a qualquer preço, das maquiagens de balanço (vide o que aconteceu com o banco Panamericano), da concorrência predatória, das ambições desmedidas com relação ao mercado, da produção com a exploração da mão-de-obra, buscando a harmonia do uso dos recursos frente aos objetivos a alcançar, a eficiência e a eficácia, o satisfatório e não o maximizante, adaptando um raciocínio usado Herbert Simon em sua teoria das decisões. É desdobrar estratégias organizacionais com equilíbrio e prudência.

Justiça: Respeito aos diversos stakeholders, parceiros e concorrentes, considerando os direitos dos demais. Está na base dos princípios da Governança Corporativa, que é a teoria da agência: há de se garantir que o agente agirá sempre no melhor interesse do principal, ou seja, os gestores devem tomar decisões tendo em vista a riqueza dos acionistas que os contratam, e não maximizar sua riqueza pessoal. Portanto, a cada um o que é devido, o que lhe compete, observando a posse do que pertence a cada um, com equidade e transparência. A Responsabilidade Social e Ética também se enquadra nesta virtude, tendo em vista a consideração pelos direitos do outro na proporção do desenvolvimento dos seus próprios (da organização).

Bom, seria isso. Fica como uma proposta para um enfoque gerencial ético para as organizações. Cabem muitos desenvolvimentos em cima disto, como por exemplo, incluir as três virtudes teologais (fé, esperança e caridade), não cobertas objetivamente por Sócrates e seus discípulos diretos e indiretos, e não o faria no sentido formal da igreja, mas antes na essência moral destas. Deixo, portanto, o em aberto para as contribuições dos leitores, se assim desejarem.


Américo Ramos, DSc em Administração
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