quinta-feira, 20 de maio de 2010

Água e óleo ou café com leite? O que é a organização de aprendizagem?



Uma corrente expressiva de autores ligados ao estudo da aprendizagem nas organizações evoca a aprendizagem como uma prática social, como Lave, Wenger, entre outros. Sendo prática social, infere-se que a interação é parte essencial neste processo.

Assim, a aprendizagem não se dá sem a interação com o meio, o contexto. A partir da conversação, da linguagem entre os atores do processo de aprendizagem, dá-se a recursividade, ou seja, as idéias transmitidas por um repercutem no contexto interno do outro, voltando a repercutir neste primeiro. Deste “intercâmbio” a aprendizagem fortalece-se.

Portanto, um ambiente de aprendizagem pode ser visto como um ambiente híbrido, em que não há uma soma de aprendizagens individuais, mas um campo interacional próprio, resultante de forças internas e interativas entre os sujeitos. Também sou crítico de paralelos excessivos com processos físicos ou biológicos, mas aqui parece-me bem pertinente a comparação.

Uma organização de aprendizagem, seguindo o raciocínio, seria então este campo interacional em seu estado mais completo. Entretanto, muitas organizações, ao tratar de aprendizagem, têm problemas para lidar com tal conceito porque são pontuadas intensamente em feudos, grupos auto-centrados, sub-culturas rivais etc. Assim, não há interação completa, quando muito nos referidos feudos, havendo uma coexistência, nem sempre pacífica, de ambientes organizacionais, em que a aprendizagem técnica é até alcançada, mas, do ponto de vista da prática social, caracterizam-se por uma aprendizagem desintegrada.

Algo semelhante pode ser falado quanto à transferência de conhecimento entre unidades de uma mesma organização, algumas das quais recém-adquiridas ou fruto de participações e joint-ventures, no nível internacional, inclusive. Se a organização pratica uma aprendizagem interativa, o resultado final tenderá a ser como uma rede social intensa, que não implica homogeneidade, mas a presença de um campo abrangente de forças. Caso contrário, haverá mais campos, mais nós, que coexistem mas não existem como um. Nota-se que aqui pode até haver homogeneidade de práticas e um sistema formal dominante de aprendizagem, porém não uma intensidade das relações e uma aprendizagem interativa inserida na cultura da organização.

Estas questões foram vivenciadas durante a pesquisa que originou minha tese de doutorado, que reforçou a suposição de que a aprendizagem gerencial em multinacionais tendia a se intensificar na medida em que era entendido que tais organizações eram sujeitas a um campo de forças tanto de natureza global como contextual, assim como era praticada a interação como um valor que permeava matriz e suas subsidiárias ou unidades organizacionais gerenciáveis em geral.

Logo, a aprendizagem interativa pode ser visualizada como um café com leite, uma substância completamente mesclada em suas propriedades, enquanto a “aprendizagem” isolada pode ser visualizada como a falsa mistura de água e óleo, que permanecem com suas respectivas propriedades, sem troca, sem mistura, sem aprendizagem conjunta, sem mudança de forma, ou metamorfose, como coloquei em minha postagem anterior “metamorfose ambulante”.

Aprender leva também a desaprender, já diz um velho chavão. Aprender, ao levar a desaprender, implica o desapego a velhas fórmulas, hábitos e, mais ainda, a uma verdade exclusivista. Não que a aprendizagem elimine a identidade, muito pelo contrário. Ela transforma a identidade, que por sua vez molda a forma da aprendizagem própria e dos demais com quem interage. Aprender, portanto, é, em partilhar, reconstruir permanentemente o que é próprio como expressão e integridade.

Américo Ramos é Doutor em Administração, com vinte anos de experiência profissional e acadêmica .E-mail: americodacostaramos@gmail.com. Visite o blog “Aprendizagem e Organização” (http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

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