quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O Eterno Retorno da Não-Aprendizagem

Américo Ramos.



Fazia minha corrida na academia quando minha atenção se volta, entre várias opções dos canais de TV fechada que então lá passavam, para o filme “Quando Nietzsche Chorou”. Eis a sinopse:

Baseado no best-seller e premiado romance de Irvin Yalom, o filme “Quando Nietzsche Chorou” conta a história de um encontro fictício entre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (Armand Assante) e o médico Josef Breuer (Bem Cross), professor de Sigmund Freud (Jamie Elman). Nietzsche é ainda um filósofo desconhecido, pobre e com tendência suicidas. Breuer passa por uma má fase após ter se envolvido emocionalmente com uma de suas pacientes, Bertha (Michal Yannai), com quem cria uma obsessão sexual e fica completamente atormentado. Breuer é procurado por Lou Salome (Kather Winnick), amiga de Nietzsche, com quem teve um relacionamento atribulado. Ela está empenhada em curá-lo de sua depressão e desespero, assim pede ao médico que o trate com sua controversa técnica da “terapia através da fala”. O tratamento vira uma verdadeira aula de psicanalise, onde os dois terão que mergulhar em si próprios, num difícil processo de auto-conhecimento. Eles então descobrem o poder da amizade e do amor.

Um dos pontos marcantes do filme, no meu entender, foi a inclusão, em uma fala de Nietzsche, de seu discurso em Gaia Ciência, assim formulado (leia junto com o trecho do filme em vídeo, dito de forma diferente):





“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!”“. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa:"Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?”pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

Nietzsche discorre sobre um dos seus conceitos mais conhecidos, o do Eterno Retorno. O conceito também é bastante discutido, com algumas controvérsias. O conceito não estaria amarrado em um ciclo temporal, porquanto se insere em sua perspectiva niilista, desprovida de uma relação de causa e efeito, e dentro do contexto de sua época. Assim, as vivências se repetem de formas alternadas e combinadas, em que possibilidades finitas se repetem, diferentemente, em combinações ao longo de um tempo sem medida.

Por isso mesmo, há quem questione a comparação deste conceito, como formulado por Nietzsche, com a “Roda de Samsara”, da tradição filosófica hindu, relacionada ao fluxo incessante de renascimentos através dos mundos, interrompido apenas com a conquista da sabedoria e da iluminação. As diferenças se dão fundamentalmente pelo caráter niilista da formulação nietzchiana. Mas há controvérsias ... Afinal, Nietzsche conhecia o budismo, tinha amigos que o estudavam, e aparte de suas críticas ao cristianismo, era neto de pastores luteranos (seu contemporâneo Freud explica...)

O conceito do Eterno Retorno também se encontra em várias civilizações e está presente em filmes como o Feitiço do tempo, já comentado aqui. Aliás, o eterno retorno está presente no cotidiano, com a sucessão das quatro estações, combinações eternas mas que não se repetem da mesma forma, bem como na recordação de datas comemorativas e alinhadas a algum mito ou ritual, como este dia 6 de janeiro em que é celebrado o Dia de Reis pelo cristianismo ocidental e quando as árvores de Natal costumam ser desmontadas, girando a roda de cada ano.


Abstraindo-me de um alinhamento a uma ou outra visão sobre o assunto, servindo-me destas como pano de fundo, entendo que estas metáforas, se assim posso dizer, são muito úteis para o encarar da aprendizagem em nossa vida como um todo e para as organizações, em particular.

As organizações encerram, por definição, uma série de rotinas, que, também por definição, repetem-se, de forma finita em termos absolutos, mas em relação à existência de uma pessoa em uma organização, de forma infinita. Combinações de interações entre circunstâncias e rotinas se repetem de forma, por que não, atemporal, massacrando alguns, alienando outros, servindo de revolta para outros tantos, sendo base de poder para mais alguns etc.. Costuma-se dizer que, para algumas pessoas, vinte anos de experiência são vinte vezes um ano, reforçando uma repetição totalmente infrutífera em termos de aprendizagem.

A experiência é fator crítico de sucesso da aprendizagem nas organizações e na vida, data vênia pela separação, desde que aproveitada. Entretanto, se a rotina é vivida pelas pessoas sem nenhuma sagacidade, de nada adianta. Cai-se na roda e o eterno retorno aos escritórios, oficinas, agências e postos de trabalho em geral se dá sem serem observadas as sutilezas das variações que as circunstâncias oferecem.

A Não-aprendizagem nas organizações tem na roda de Samsara sua metáfora e no eterno retorno seu aterrorizante (qualidade empregada pelo próprio Nietzsche) controlador. Lembro aqui que a aprendizagem técnica, instrumental, esta é até mais estimulada, mas a aprendizagem pela indagação e pela interação, esta requer uma convivência diferente com esta diferente repetição de experiências. A aprendizagem de segundo ciclo (roda!) transcende a roda. Os homens massa de Ortega y Gasset adoram esconder-se nestas rodas (aliás, um tema para futura postagem), dos quais talvez observasse ironicamente.

Aprender é transcender à roda da experiência.

Américo Ramos, DSc em Administração

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