quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Como fazer que a aprendizagem saia do feitiço do tempo

Uma situação curiosa que tem sido muito aproveitada no cinema e demais obras de ficção, é o laço do tempo, quando um determinado período de tempo, um dia por exemplo, repete-se indefinidamente. Tem raízes antigas, como na mitologia grega por exemplo, na lenda de Sísifo.

Um exemplo de um filme que usa este argumento, talvez o mais famoso destes, é o “Feitiço do Tempo”, com Bill Murray e Andie MacDowell. Quando foi lançado, em 1993, foi algo subestimado, tornando-se referência anos depois. Conheci o filme em 1994, num programa de educação executiva que então fazia, e gostei bastante dele também.


No filme, Murray interpreta Phil Connors, um egocêntrico homem do tempo da TV em Pittsburgh, que durante a abertura do anual Dia da Marmota (2 de fevereiro) em Punxsutawney, encontra-se repetindo o mesmo dias várias vezes. Depois de se deixar levar por todas as formas de perseguições hedonísticas, ele começa a reavaliar sua vida e prioridades (retirado da Wikipédia).

O filme evoca, no meu entender, uma das grandes questões humanas que é o da evolução individual por meio da aprendizagem pela experiência. Enquanto buscamos motivações não alinhadas com este objetivo, nossa aprendizagem será muito limitada, quando houver, levando a repetições com ganhos muito pouco significativos. É a “experiência de vinte ciclos de um ano” e não uma “experiência de vinte anos” de fato. Entretanto, quando o objetivo essencial é descoberto e as ações alinhadas a este, repensam-se as disposições e valores e as virtudes, desenvolvidas como conseqüência, ajudam a modificar os caminhos percorridos e levar a uma sabedoria prática e orientada para a mudança interior. Quando houve este “click” em Connors, o castigo sisifiano de indefinidamente fazer subir uma pedra para deixá-la cair teve seu sofrimento implícito apreendido e, com isso, levando a liberdade, materializado pelo retorno do transcurso normal dos dias para o homem do tempo. Reforço, a liberdade retornou com o cultivo de virtudes ditas superiores, permitindo-se acompanhá-la, por decorrência, do amor e da felicidade (aqui coloquei umas pitadas “aristotélicas”, data vênia).

Novamente faço aqui uma analogia com o modelo de Argyris e Schon de aprendizagem de circuito simples, mais voltado às rotinas, e a de circuito duplo, em que os valores e pressupostos são desafiados. O filme em questão dá uma clara mensagem que a aprendizagem só dá um salto objetivo quando for a de circuito duplo.

E as organizações? Bom, quantas organizações não vivem este laço do tempo? Repetem as mesmas rotinas equivocadas, ou obsoletas, ou viciadas, ou motivadas por concepções equivocadas a respeito do lucro, das pessoas e das relações com os diversos públicos de interesse, como clientes, força de trabalho e sociedade, e não conseguem transcender seus resultados? Reclamam que fazem “PDCA”, que aprendem com a experiência, mas bitolados com seus padrões intocáveis, não avançam e culpam o “sistema”, por isso. Somente quando a organização repensa seus valores e pressupostos e explicita este remodelamento em suas estratégias, seus processos e seus procedimentos, é que esta deixa de “patinar”.


Logo, o exercício do pensar deve ser fundamental para a aprendizagem, para que ela torne-se efetiva e permita que se saia do tal “feitiço do tempo”, isto quando há chance para repetir experiências, pois às vezes, nem isto é possível, a falência ou aquisição por outra organização mais forte vem primeiro. E este exercício do pensar coletivo pode ser facilitado por práticas e tecnologias de gestão do conhecimento, como o uso mais consciente das comunidades de prática, ou o cultivo da aprendizagem contínua e em equipe, para usar os conceitos propagados por Peter Senge. Assim, a liberdade e outras prerrogativas de crescimento para as organizações podem ser obtidas, tal como o foi pelo personagem interpretado por Murray, por práticas de aprendizagem mais densas e questionadoras, fazendo que estas mesmas organizações possam viver novos dias, e não os mesmos dias, sempre.


Américo Ramos , DSc em Administração,
vinte anos de experiência profissional e acadêmica.
E-mail: americodacostaramos@gmail.com.
Visite o blog Aprendizagem e Organização”
(http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

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