segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Polyana e Perpétua: as conspiradoras da mudança.


São bastante conhecidos no mundo corporativo os chamados programas de Gestão de Mudança, usados sejam para reestruturações, pós-aquisições, internacionalizações, privatizações e outros “ções”. São feitas palestras, realizadas promessas, entregues cartilhas, repetidos convencimentos, tudo para prestar contas dos objetivos principais da mudança, em geral ligados ao mundo econômico-financeiro, ainda que no discurso sejam propagadas as idéias da aprendizagem, novas oportunidades, adaptação etc. No geral, se não tiver competências para competir, não se tem competitividade para compartilhar ... o emprego.

Dentro da linguagem dominante das referidas cartilhas de Gestão de Mudança, a palavra de ordem é entender que a mudança é importante, que nada é permanente senão a mudança, e qualquer senão revela que o dito cujo que o proferiu é um resistente, o que é tomado de modo pejorativo, quiçá pecaminoso e digno de pena de evidenciar tamanha inferioridade.
É comum neste caso confundir o resistente com o questionador. O questionador é bom para a Gestão de Mudança, mas se for Gestão da Imposição, ambos, o resistente e o questionador, são vistos como ameaças aos objetivos, declarados ou ocultos.
Vista a Gestão da Mudança como processo efetivo de aprendizado, o que se espera é despertar nas pessoas formas de contribuir de forma crítica e participativa. Eis, então, que surgem duas personagens típicas, que não agregam ao processo, e que representam formas opostas de não aproveitamento da mudança como uma oportunidade de reflexão e redirecionamento de ações e atitudes.
Uma delas é, em geral, mais conhecida e aceita nos meios didáticos sobre Gestão de Mudança, e que chamo aqui de Perpétua. Perpétua, personagem de Tieta do Agreste, história de Jorge Amado popularizada em novela, há vinte anos, e em filme, há quase quinze, era a figura típica da repressão e que atacava quem saísse do status quo da aparência, caso de Tieta e outros mais. Mas, no fundo, ela introjetava seus desejos que ela não suportaria ver revelados. Assim, os resistentes ficam em seu status quo, atacando quem o desafie e provoque mudanças que possam revelar situações antes escondidas.
Entretanto, há outra personagem representativa que nem sempre se dá a devida atenção, até porque para uma Gestão da Imposição, e não da Mudança, é um ator bastante conveniente: é a Polyana. Polyana é aquela menina extremamente otimista, que busca a harmonia em tudo e que vê o bom mesmo quando há acontecimentos tristes, como o que ocorreu com ela própria. Ainda que não negue o conteúdo positivo da mensagem da história, cujas lições de otimismo e resiliência são bastante úteis no caminhar da vida, há o risco de confundir esta resiliência e este otimismo com ingenuidade e aceitação cega de uma situação para o qual, ao contrário de algumas situações contadas na referida história, tem como ser mudada. Parece contraditório entender que a mudança é inevitável e não pode ser mudada, dentro desta perspectiva, mas se lermos como Imposição a questão fica mais clara. Assim, as Polyanas organizacionais alegram-se com as imposições, eventuais demissões, arbitrariedades, sem discutir, vendo a “Gestão da Mudança” como um “jogo do contente”, para alegria de alguns consultores e agentes de mudança.
A Gestão da Mudança demanda uma reflexão crítica, se é que se queira que se cumpra o seu papel. Dos questionamentos, desde que embasados e pragmáticos (se habemus capitalismo ...), pode ser obtido algum avanço. As reações irracionais das Perpétuas só pioram a situação, mas também as Polyanas podem levar a planos artificiais de mudanças, já que está “tudo bem”.
Portanto, mudar e aprender estão intimamente ligados, e ambos não combinam com impor, aceitar cegamente e reagir também cegamente. A partir do questionamento e do ambiente de aprendizagem podem emergir pessoas mais conscientes para seu papel dentro da mudança almejada e se, de fato, a empresa quer sua participação ou não, e como quer, e que ações são possíveis.
Aprender leva a mudar; mudar implica em conhecer; conhecer permite o aprender.

Américo Ramos é Doutor em Administração, professor universitário, conferencista e consultor.E-mail: americodacostaramos@gmail.com
Visite o blog “Aprendizagem e Organização” (http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

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