terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Os Dementadores Corporativos


Penso que os dementadores, guardas da prisão de Azkaban, estão entre as personagens mais sombrias da saga de Harry Potter. Eles sugam de suas vítimas toda sua alegria, fé, confiança e a vontade de viver. Guardam e punem, expressando a face castradora do controle.
No mundo corporativo, vive-se tradicionalmente a contradição entre a criatividade, a motivação, o desejo da descoberta e da aprendizagem contínua, por um lado, e a padronização, o controle, a rotina, de outro. Além disto, há também a disputa pelo poder, a inveja, os receios de toda ordem, especialmente daquele que pode ganhar terreno no labirinto ascensional da organização.
Neste contexto, surgem as perseguições, os ostracismos, a preservação cega da gestão da rotina sem admitir o repensar dos modelos mentais, o reforço dos mecanismos de controle no sentido “policialesco”, que evitam as pessoas fora da ordem organizacional venham a buscar alimento para seu desenvolvimento. Aí entram as “frases assassinas”, as metas desalinhadas, tudo que possa evitar uma motivação para o novo, puxando para a acomodação, a falta de energia, a mesmice, sugando a disposição de aprender. Eis os dementadores corporativos em ação, protegendo o status quo e consumindo o potencial de inovação, mas ao mesmo tempo de questionamento.
É claro que parte das pessoas atingidas sai desta ação e segue em frente. Claro também que há organizações em que tal maniqueísmo é mais vigiado e menos manifestado, ainda que não esteja completamente ausente. O que se quer chamar a atenção, todavia, é que uma organização que se disponha a fomentar um ambiente de aprendizagem coletiva e interativa deve estar atenta para que seus sistemas de gestão não emitam sinais opostos ao que o seu discurso, muitas vezes, apregoa.
Padronização, gerência da rotina, mecanismos de controle, são elementos indispensáveis a eficiência e eficácia de sistemas de gestão, porém, como já dizem os manuais administrativos de longa data, não devem se tornar fins em si mesmos e legitimar artificialmente uma estrutura de poder. Neste caso, estarão criando dementadores corporativos prontos para impedir a aprendizagem que os seus criadores, em tese, desejavam. Dão, assim, um tiro no pé, além do que os dementadores podem se rebelar, como na história de Potter.
Assim, fica a moral da história: “não faça de seu sistema de gestão um viveiro de dementadores corporativos: a vítima pode ser você”.



Américo Ramos é Doutor em Administração, professor universitário, conferencista e consultor.
E-mail: americodacostaramos@gmail.com
Visite o blog “Aprendizagem e Organização” (http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

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