segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Disseram que eu voltei americanizada ...



No dia 4 de setembro houve a apresentação de Ivete Sangalo no Madison Square Garden, em Nova York (leia a notícia). Como parte do "Brazilian Day", foi uma grande festa de brasileiros, especialmente das celebridades que foram dar uma "passadinha" por lá (dizem ter havido até "barraco", mas aqui não é "coluna de fofocas"). Um sucesso, dizem, Ivete, afinal, sabe como levantar uma platéia. Mas a grande questão aqui é, como se vê na imagem ao lado, é a inserção global da artista baiana, e nada melhor do que na "capital cosmopolita do mundo". Dentro da idéia do "Você S.A.", se somos empresas, e empresas se internacionalizam, por que não? Do nosso lado, ainda, não só exportamos jogadores de futebol mas também algumas de nossas empresas começam a ter algum sucesso lá fora.

Obviamente, surgem as críticas. O New York Times fez uma observação (leia a notícia) de que "não será fácil para a sra. Sangalo expandir seu território e se juntar a cantoras como Beyoncé, Madonna e Shakira como uma estrela pop globalmente reconhecida ... Há, inevitavelmente, uma barreira de linguagem para músicas em português.... A sra.. Sangalo tem outro obstáculo: o ritmo. Muitos hits brasileiros, como "Cadê Dalila", usam as batidas rápidas do axé, a música do Carnaval na Bahia --uma batida que poucos fora do Brasil podem acompanhar".

Bom, como o Inglês é a língua franca e a força do império permite que o rock, o jazz ou o soul virem universais e que todos "aprendem a acompanhar", a Madonna ou a Lady Gaga podem. Até a Shakira pode, pois já "se adaptou" (será que ela volta à Copa de 2014 e "desbanca" a Ivete?). Assim, o sucesso é aderir à chamada "Cultura Global", em todas suas nuances.

Esta é uma discussão em voga há muito tempo no tocante à globalização e internacionalização de empresas, ainda mais no contexto das empresas de países emergentes. Na minha tese de doutorado estudei a dualidade global-contextual na aprendizagem gerencial de empresas brasileiras em processo de internacionalização. Assim como uma empresa dita global precisa aprender aspectos contextuais para ser bem sucedida em outro mercado e na gestão de empresas locais, uma empresa emergente, além de buscar também este aprendizado, deve antes saber se expressar nesta linguagem global de gestão, antes de começar a adicionar gradativamente "palavras em seu idioma". As práticas globais formam o idioma e o estilo gerencial, o ritmo. Agora, saber se expressar não quer dizer expressar-se exclusivamente nesta língua, pois a empresa perde sua identidade, ou como reproduziu um dos executivos que entrevistei em minha tese, "brasileiro globalizado é inglês de segunda classe".

Não sei o que vai acontecer, mas se Ivete levar a sério o NYT e resolver ceder muito ao tal gosto global, ela corre o risco de sofrer a "síndrome da Carmen Miranda", artista com a qual a própria Ivete almeja se espelhar (leia no link). Carmen Miranda (leia a biografia) obteve um grande sucesso nos EUA, em parte pelo contexto da segunda guerra mundial e da política de boa vizinhança, em outra, e maior, pelo seu indiscutível talento, e tornou-se possivelmente a artista brasileira (ela nasceu em Portugal) mais conhecida e divulgada por lá durante muito tempo, mas à custa de muita estereotipação. O final não foi dos mais felizes para ela, muito pelo contrário.

Aliás, quando Carmen voltou de sua primeira turnê pelos Estados Unidos, em 1940, com grande sucesso, ela sofreu críticas de que estaria "americanizada". Ela respondeu "na bola", gravando músicas como "Disseram que eu voltei americanizada (ouça)". Mas voltou depois e lá ficou 14 anos, não deixando de pagar o preço pela dissonância cognitiva que suportou como ônus do sucesso e da fama.

Talcott Parsons (importante sociólogo americano e influenciador também de algumas teorias de Administração e, ainda, contemporâneo de Carmen Miranda!) e seus colaboradores, ao discorrer sobre a aprendizagem, já dizia que o conhecimento podia ser criado, mas na maioria das vezes a aprendizagem se dava pela interação com outros atores, seja assimilando padrões por imitação, ou orientações de valores por identificação. Aprender, seja a gerir empresas, seja a gerir carreiras de qualquer ordem, em contextos bastante diversos dos originais, por via da imitação não parece ser uma boa saída, pois os choques culturais acontecem com mais vigor, pela dissonância nos planos dos valores. Conhecer e se expressar nos padrões com os quais não se afirmou, não pode ser dado de maneira restrita.

A aprendizagem interacional de pessoas e de organizações em outros ambientes se faz pela combinação e recontextualização de práticas sem que se percam os principais significantes, tanto no nível macro (social) quanto micro (organizacional/gerencial) responsáveis pela afirmação desta pessoa e desta organização até então, sob o risco de desagregação interna. Não é que porque a Budweiser e o Burger King pertencem aos brasileiros do outrora grupo Garantia que estes vão virar Brahma ou restaurante de comida baiana, ainda mais eles (leia, por exemplo, "Agora ele é o dono do sanduíche"). Ivete admira Carmen, e por isso mesmo deve saber o que fazer.


Para terminar, nesta avalanche de feitos do Brasil emergente, um pouco de "South American way", com a própria Carmem Miranda.



Américo Ramos , DSc em Administração,
vinte anos de experiência profissional e acadêmica.
E-mail: americodacostaramos@gmail.com.
Visite o blog Aprendizagem e Organização”
(http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

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