sábado, 3 de abril de 2010

Caminhando e gerenciando e seguindo a lição ...


Ciro, o Grande

Minha tese de doutorado versou sobre a aprendizagem de multinacionais brasileiras com o fluxo de conhecimento em práticas de gestão. Conta, portanto, aspectos da trajetória destas multinacionais com o inter-relacionamento entre seus valores, práticas e sistemas de gestão, com os valores, práticas e sistemas de gestão das empresas subsidiárias, muitas das quais adquiridas, sem contar os diferentes contextos institucionais dos países onde tais matrizes e subsidiárias se situam.

Um dos aspectos que me chamaram a atenção durante a pesquisa é como as empresas brasileiras agiam em relação às empresas “conquistadas”: o quanto elas impunham seus sistemas, ou respeitavam as competências, valores e potencialidades das subsidiárias ou coligadas em benefício da empresa como um todo e seus resultados.

É prática comum em muitas empresas que adquirem outras o exercício da “síndrome do saque”, retirando tudo que pode da empresa adquirida até vender “o bagaço” quando os resultados, por exaustão, cessarem de existir. Isto levava ao desespero e preocupação a força de trabalho da empresa comprada. Quando a empresa compradora implanta uma política mais flexível e busca aproveitar os recursos locais e desenvolver a empresa, seus executivos não raramente são vistos como salvadores da Pátria.

O que pode ser observado é que existe uma significativa semelhança entre os processos de expansão das empresas multinacionais com o processo de dominação entre países ao longo da história. Afinal, até há pouco tempo atrás, em termos relativos, era o Estado quem liderava diretamente guerras e dominações políticas para exercer a dominação econômica, enquanto hoje as empresas fazem em parte este papel sem o recurso da guerra ou de uma política de estado mais ostensiva, embora, claro, esta continue, haja vista a guerra do Iraque etc. De qualquer forma, tem-se hoje uma outra visão, algo mais ampliada, de Relações Internacionais por conta disto.

Dentro desta longa tradição de dominação pelos países, um estudo comparativo entre processos de dominação da África pelos Europeus nos séculos XIX e início do XX e a dominação da Península Ibérica pelos muçulmanos entre os séculos VII e XV, especialmente entre os séculos VII e XII, pode fornecer importantes subsídios para as possibilidades de um fluxo mais ou menos integrativo de conhecimento em gestão entre matriz e subsidiárias de multinacionais, do saque a um modelo transnacional compartilhado.

Neste contexto vale ler uma matéria da revista “História Viva” de janeiro de 2010 sobre o auge civilizatório do Irã quando do controle aquemênida entre os séculos VI e IV A.C.., a começar especialmente por Ciro o grande. Para ler a matéria completa, clique aqui. Destaco aqui alguns trechos:

Ciro (no trono) liberta os judeus ao conquistar a Babilônia, em 537 a.C.Ilustração de manuscrito do século XV, de Jean Foucquet

Estendendo-se das margens orientais do mar Mediterrâneo e do rio Nilo, no Egito, até o rio Indo, na Índia, o imenso território sob controle aquemênida favorecia o desenvolvimento e a miscigenação das culturas, costumes e religiões, à margem de qualquer tipo de fanatismo. O império englobava quase todas as terras ao redor do mar Negro, o nordeste da Grécia, a Turquia, o Egito (até a primeira catarata do Nilo), a Líbia, todo o Oriente Médio, o norte da península Arábica, a Armênia, o Iraque, o Irã, o Afeganistão e uma parte do Paquistão. Quase 8 milhões de quilômetros quadrados eram administrados pelos reis persas, enquanto o Império Romano ocupou “apenas” 6 milhões de quilômetros quadrados.

A federação de tribos seminômades liderada por Ciro conseguiu se impor sobre os civilizados impérios assírio, babilônio e medo...O rei persa dominou a Mesopotâmia
sem causar muita destruição. Os povos da região, cansados da guerra, das pilhagens dos nômades eurasianos e do fanático militarismo assírio, pouco se opuseram ao que de início lhes pareceu a doce autoridade de um senhor pouco presente, pois governava de muito longe.

Diante desse panorama favorável, Ciro adotou uma inteligente estratégia em relação às elites locais. Ele compreendeu que aterrorizá- las por meio da crueldade e do medo o condenaria no plano político. Era preciso, portanto, federá-las, e não matá-las.
Ciro mostrou ao mundo que o que une importa mais do que o que divide. Seu talento foi criar um sentimento de pertencimento ao império que se disseminou entre o mosaico de povos cuja diversidade os fazia naturalmente propensos ao combate. Os textos mostram que o soberano não queria aniquilar as nações, mas sim associá-las ao destino do império.


Em um reino formado por múltiplas etnias, culturas, religiões e línguas, o governo de Ciro foi muito tolerante com as minorias culturais, religiosas e políticas. O soberano fazia questão de garantir a proteção das populações conquistadas: “Não autorizei ninguém a maltratar o povo nem a destruir a cidade. Ordenei que toda casa permanecesse intacta, que os bens de cada um não fossem pilhados. Ordenei que todos fossem livres para adorar seus deuses. Ordenei que cada um fosse livre em seu pensamento, seu local de residência, sua religião e seus deslocamentos, e ninguém deve perseguir o outro”.


As políticas de Ciro fizeram com que nenhum dos povos conquistados, com exceção dos egípcios, sentisse a autoridade aquemênida como um poder estrangeiro. A administração persa se adaptava às tradições regionais, promovia a descentralização do poder com a implantação de uma ampla autonomia local (os famosos sátrapas), era pautada por uma absoluta tolerância religiosa e se apoiava nas elites locais, privilegiando a pequena nobreza. Para aumentar a coesão do conjunto, o rei e sua corte se deslocavam regularmente pelas províncias do império, passando por Susa, Babilônia, Ecbátana, Arbeles e Persépolis, e fixando sua capital no local onde estivessem residindo provisoriamente.

A tolerância religiosa dos persas foi fundamental para a história do judaísmo. Segundo a Bíblia, ao conquistar a Babilônia, em 537 a.C., Ciro promulgou um édito que libertou os judeus do cativeiro na Mesopotâmia e ofereceu uma ajuda financeira muito substancial para que eles reconstruíssem o Templo de Jerusalém. Ainda hoje, 2.500 mil anos depois, a festa de Purim continua a celebrar, todos os anos, o evento. Desde esse momento, o imperador passou a ser homenageado no mundo judaico como um profeta (Nota minha: é o salvador da Pátria).
Os judeus não foram os únicos a se beneficiar da liberalidade de Ciro. Ele abriu o pensamento persa aos filósofos gregos, à mística masdeísta, ao ascetismo árabe, à medicina indiana e à liberdade de consciência em geral. Os médicos da corte eram majoritariamente estrangeiros.

A tradição de tolerância da antiga Pérsia se perdeu nos séculos posteriores. Os crimes palacianos da dinastia dos Afsharidas, no século XVIII, o reino de terror instituído no Irã pela polícia secreta do xá Rehza Pahlevi na década de 1970 e as perseguições de oponentes políticos promovidas pelo atual presidente Mahmud Ahmadinejad, no entanto, não devem ocultar o legado da Pérsia eterna, com sua imensa tolerância e efervescência cultural.


Assim, tanto para países como para empresas, aprende-se e desenvolve-se mais quando há maior intercâmbio, interação e consideração pelo contexto local, sem deixar de assegurar resultados ou manter a liderança ou o domínio. Aliás, esta também foi uma das conclusões de minha pesquisa e expressão das próprias empresas, ao menos na intenção, ainda que nem sempre efetivada na prática.

Portanto, um modelo de aprendizagem empresarial, em termos organizacionais e gerenciais, passa pelo balanceamento de forças globais e contextuais, unindo as inovações e resultados daquele que gerencia com as competências, valores e contribuições dos que estão sendo gerenciados, formulando uma empresa cujo modelo de gestão é transcendente a empresas e países tomados isoladamente, viabilizando o caráter global e transnacional da organização acima de um mero imperialismo ou expropriação pura e simples.

Américo Ramos é Doutor em Administração, com vinte anos de experiência profissional e acadêmica .E-mail: americodacostaramos@gmail.com. Visite o blog “Aprendizagem e Organização” (http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

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