terça-feira, 6 de abril de 2010

Aprender no Trabalho: prender a dor, abrir o pendor ou praticar o pertencer?


Figura:

A palavra trabalho vem do latim “tripalium”, um instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão. Tal palavra carregada de um significado como este pode dificultar sobremaneira associá-la à aprendizagem e ao conhecimento.

Ao trabalharmos a aprendizagem nas organizações, o associamos indissoluvelmente ao trabalho, só que não ao trabalho torturador, senão ao resultado de uma experiência, mesmo que de rotina, mas implicando sempre em oportunidades de melhoria. Aprender pela experiência, a partir de concepções a priori, continua a ser a regra, como dispõe o bom Kant.

Entretanto, o trabalho continua a ser bastante associado a algo pesado, extenuante, alienador, bastante afastado da realidade da aprendizagem como é idealmente desejada. As condições do real impõem uma situação “imaginária”, do tipo “matrix” que levam ao “aprendizado por condicionamento” ou “a vida é assim mesmo ...”.

Contudo, o conformismo não subsiste por muito tempo, podendo levar à revolta, à loucura, ao “burnout”, a depressão, a tudo junto. E mais: tais problemas não escolhem classes ou atores do processo, sejam eles “dominados” ou “dominadores”, “oprimidos” ou “opressores”.

Tanto é assim que neste último final de semana revisitei duas canções tanto opostas quanto semelhantes: A Fábrica, de Legião Urbana (para ver, ouvir e ler, clique aqui) e Capitão de Indústria, canção mais conhecida hoje em dia na interpretação dos Paralamas do Sucesso (para ver, ouvir e ler, clique aqui), embora eu a conhecesse em uma versão ainda mais antiga com outro intérprete.

As duas canções expressam a profunda insatisfação, seja do capitão de indústria, seja do trabalhador da fábrica, com a forma que o trabalho interpõe-se sobre eles. Tratam de como a indústria e seu trabalho aliena, escraviza, domina, impacta negativamente o ambiente etc..

E o que se aprende com isto?


Recorro aqui a Hannah Arendt, teórica política (como ela preferia ser intitulada) alemã, em sua obra “A Condição Humana” e a relação, aplicável ao “trabalho” entre o labor, o trabalho e a ação. Partindo desta relação, entendo que a acepção mais “trabalhada” do trabalho vem do primeiro elemento, que está ligado à dor que é prendida e sofrida pelo homem, para se chegar a algum lugar. Há, porém, o segundo significado, ligado à “Obra”, que liga-se à ação de abrir-se ao pendor, à vocação, cujo prêmio é a realização criativa. Este significado já está bem próximo do que almejamos do aprendizado, aprender com a experiência e fazer, produzir, obrar cada vez mais e melhor. Todavia, há ainda o terceiro significado, o mais temido pelos pretensos donos do controle e do poder: a ação, ligada à prática, que por sinal é a visão sobre aprendizagem mais propalada atualmente. A aprendizagem deriva-se da prática social, da interação, e aí as comunidades de prática, redes sociais etc., apresentam-se no trabalho coletivo humano nas organizações como os símbolos da modernidade. É praticar o pertencer.

Mas aprender com e pelo trabalho envolve, por extensão, todos estes elementos. É mais agradável, ou politicamente correto, aprender exercendo a interação e o pendor criativo, mas aprender também se dá pelo esforço e na dor, ainda que não só nisto. Neste contexto, aprender em um sentido mais amplo é realmente emancipar-se, sair da opressão que nos condicionamos, mesmo como opressor. E aí, se me permitem a digressão, Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido e outros) nunca mais será lido por mim do mesmo jeito.



Para saber um pouco mais da obra de Arendt, "A Condição Humana", comece por ler um resumo.

Para saber um pouco mais da obra de Paulo Freire, "Pedagogia do Oprimido", comece por ler um resumo.

E se quiserem ver Legião Urbana e Paralamas do Sucesso juntos, veja aqui um trecho de um show que fizeram na TV Globo há mais de vinte anos, disponível no seu todo em DVD.





Américo Ramos é Doutor em Administração, com vinte anos de experiência profissional e acadêmica .E-mail: americodacostaramos@gmail.com. Visite o blog “Aprendizagem e Organização” (http:www.aprendizagemeorganizacao.com).

Nenhum comentário:

Postar um comentário